segunda-feira, 12 de abril de 2010

Burocracia

Existe sim uma burocracia enorme pós-morte que, se sozinha já me traz grande descontentamento, piora ao verificar que junto a esta, assisto, resoluta, a vida dele ser reduzida a números, laudos, dados, datas e protocolos.

Esta burocracia começou exatamente no mesmo instante em que se instalou o sofrimento, veio insensível, trazendo seus prazos a serem cumpridos, papéis a serem entregues, cartórios e carimbos que ignoram os meus sentimentos e minha necessidade de ar.

Neguei ao máximo estas tarefas, talvez na esperança que, de alguma forma, ele voltasse para seu CPF e para mim.

Entretanto, mesmo com a ajuda de tantos queridos amigos e parentes que tentaram realizá-las, sempre é preciso da minha assinatura, do meu consentimento ou minha orientação.

No final, não consegui fugir.

E tenho que repetir meu indesejado recém adquirido estado civil e minha história para um nem sempre amigável atendente, que não percebe o esforço e a batalha interna para estar ali...

Semana passada, mais uma vez, dei entrada em outro processo.

Vi novamente a vida dele ali, exposta a uma desconhecida por detrás de uma mesa.

Desta vez, chorei envergonhada de ainda chorar nestas horas, me lembrando de que ele era mais que aqueles papéis, que tinha uma história que faz parte da minha e que luto para assegurá-la na de nosso pequeno.

Neste dia descobri que preciso, ainda, “averbar” minha certidão de casamento, voltar – pela terceira ou quarta vez – no cartório onde nos casamos para que alguém escreva que ele se foi, que sou viúva, que esta é minha nova história, oficial, carimbada, rotulada em quantas vias mais a burocracia solicitar.

Um comentário:

  1. Impressionante... só quando a gente passa por isso ou conhece alguém que passa, percebe a insensibilidade da burocracia. Força. Sempre!

    ResponderExcluir