sábado, 30 de outubro de 2010

As caixas

Tirei a aliança do dedo e coloquei-a de volta naquela caixinha de veludo preto, onde tempos atrás, ela reluzia nova e cheia de promessas.

Agora, de volta à mesma caixinha, o brilho já se faz diferente pelos arranhões das marcas de uso e pelos sonhos interrompidos.

No mesmo instante, veio a minha cabeça a imagem de meu cunhado, naquela tarde de novembro, abrindo as mãos postas em oração para me entregar a aliança de seu irmão como quem entrega seu próprio coração.

Olhei novamente aquela visão – as duas alianças lado a lado – ali, naquela caixinha de veludo preto, e, com uma certa pressa de quem não quer se arrepender, guardei aquele pequeno cofre na Caixa das Lembranças do Papai, onde estão as entradas para um jogo, cartões de aniversário com a letra dele escrita, algumas fotos, relógios, os aviõezinhos de chumbo, alguns outros carinhos e até um punhado de cheiros para o pequeno descobrir com o tempo.

Escolhi a prateleira mais alta e empurrei a Caixa das Lembranças para o fundo do armário e fechei a porta.

Talvez façamos assim com alguns de nossos sentimentos: a gente coloca em uma caixa, dentro de outra, na prateleira de cima, no alto do armário, atrás de uma porta fechada, lá no fundo da alma... Onde ninguém mais pode alcançar.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Também choro!

Vejo-o me olhando de soslaio enquanto me apronto para o trabalho.

Assim que termino de calçar os sapatos, ele se aproxima, pousa a cabeça nos meus joelhos:

- Mamãe, “num” vai... Eu “choiu”...

...Ah, nada como se sentir amada!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Noites e Dias

Estranho é não reparar mais nas colchas desfeitas em apenas um lado da cama... Como uma linha invisível, separa o que foi do que é, sem, contudo, impedir que estes se deitem juntos todas as noites.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Ao P.A., com P.S.

Jogou a bola, mas foi sua alma que se arremeteu aos céus. Deve ter entendido naquele instante o que havia acontecido, pois apesar do que aparentava, sua existência só podia ser antiga como as questões que carregava.

Deve ter sorrido com os olhos por que não era de se lamentar e mantido aquele expressão emblemática nos lábios de quem tem sempre uma posição a tomar.

Por dentro deve ter pedido desculpas por fazer chorar aos que o amavam... Ele sempre se importava com os outros.

A gente não se via há muitos anos.

Formados, fomos ganhar a vida conforme manda o protocolo. E a amizade ficou no tempo, esperando um telefonema, um café ou uma vodka acompanhada de conversas mal desenhadas, perguntas inquietas, soluções não definidas, situações inusitadas.

Não conheci sua esposa, ele não conheceu o meu marido... Perdemos parte de muitas histórias, mas não a certeza de se ter aquele amigo de verdade.

Ah, Paulo! Não te contei como conheci um primo seu junto com uma dinamarquesa em plena Praça de Maio, na Argentina.

Se encontrar Élcio por aí, neste lugar que meu coração gosta de sonhar que é onde vocês estão, se apresenta, vocês se darão bem, e ele te conta como foi...

...Ou eu mesma conto, quando for a hora.


P.S: Não faça Tom e Vinícius ficarem até altas horas a declamar poemas... Eles já têm certa idade, meu amigo, e você, é tão jovem!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A marca

Dentre as muitas coisas que estou aprendendo - recomeçar implica em aprender novos truques - uma delas é a de me ver acompanhada de mim e isto ser bom e não somente solitário.

Muitas coisas mudaram e lidar com estes novos sentimentos que não entendo, requer, entre outras coisas, uma convivência saudável entre minha ex-vida e minha vida atual... As coisas não voltam ao seu devido lugar e é preciso aceitar este fato.

A morte levou, sim, um pedaço de mim... custei a entender isso, não queria me ver transformada por algo que não fosse bom, mas não há como passar por isto e não ser modificada.

Sei que se foram muitos dos meus sonhos, das minhas crenças, esperanças, certezas. Ela levou o resto da inocência de adolescência que tinha e que no fundo, me fazia acreditar que éramos imortais. Levou meu mundo rosa onde as famílias são todas compostas de pais, mães e filhos.

Mas a morte não levou minha capacidade de amar, de sorrir, retribuir e sonhar novamente. Não levou minhas alegrias assim como não levou meus medos.

E é deste emaranhado que recosturo a minha vida.

Sou agora a mãe sozinha com o filho adoentado no hospital, sou aquela que carrega as malas, faz as compras, paga as contas, escolhe a escola, planeja as férias, guarda as fotos.

Se é assim, que seja inteiro e em paz.